terça-feira, 16 de dezembro de 2008

"Design e Cultura por Dijon de Moraes" (entrevista concedida a Fernanda Cury, Cláudia Regina Martins e Cecille Figueredo)


Após nosso encontro com Dijon de Moraes no evento P&D, ele gentilmente nos conceceu a entrevista abaixo, deixando clara a estreita ligação existente entre design e cultura, e lançando reflexões acerca do trabalho desenvolvido pelos designers.

1) Como educador, o que as universidades devem levar em conta para formar “bons designers”? Na sua opinião, que tipos de profissionais o mercado espera?
Em um passado remoto, antes da existência do fenômeno da globalização e da rápida disseminação do conhecimento pelo mundo, as universidades operavam em um cenário estático e previsível, onde estabeleciam seus ensinamentos. As escolas de design não procediam de maneira diferente, e tinham nos aspectos objetivos, funcionais e racionais, o foco e a referência principal para o modelo de ensino. Hoje o cenário mudou radicalmente e, ao invés de trabalharmos com dados exatos e precisos, deparamos com dados mutáveis, fluidos e dinâmicos, em constante processo de evolução. Isto fez com que o foco do projeto de design deixasse o campo dos aspectos objetivos e migrasse para a valorização dos subjetivos que eram tidos, anteriormente, como secundários. Neste novo formato que se estabeleceu os valores imateriais e intangíveis ganham força e passam a ser o diferencial em mundo massificado e repleto de códigos estéticos.
O mercado, portanto, espera hoje dos profissionais esta capacidade de estabelecer conexões, de interpretar os códigos que recebem e principalmente de terem a capacidade de síntese em um mundo repleto de informações. Para isso, as universidades devem preparar profissionais multidisciplinares, cultos e sempre atualizados.

P2: Como você avalia os estudantes de design da atualidade? Quais seriam seus pontos fortes e fracos?
Os estudantes de design de hoje têm mais desafios que os estudantes do passado, pois eles vivem atualmente em um cenário de constante mutação onde o que é referência no momento deixa de ser referência amanhã. Por outro lado, os valores objetivos e racionais que determinavam o design do passado não deixaram de existir, mas, unem-se a outros novos aspectos, mais complexos e de difícil ensinamento por parte das escolas. O ponto forte do estudante de design da atualidade é justamente o seu ponto mais fraco que é o excesso de informações disponíveis. Saber filtrar e decodificar a abundância das informações, que recebemos diariamente, passa a ser um dos desafios dos designers na atualidade.

P3: Evidentemente, quando desenvolvemos um produto, temos como intuito solucionar os problemas do nosso usuário, suprindo suas necessidades e realizando seus desejos. Como você pesquisa seu público alvo?
Na verdade, a maioria de meus projetos foi desenvolvida dentro do contexto de uma indústria específica, com usuários definidos e mercado pré-determinado. Isto facilita a direção do projeto, pois quando o trabalho tem estas características acima apontadas, você busca conhecer outros produtos deste segmento que são oferecidos pelo mercado. Quando você tem a faixa de consumidores bem definidos e a classe econômica e social que a consome, fica mais fácil projetar.
Quanto aos produtos de produção em escala mais reduzida, fora da grande empresa, eu imagino um nicho de mercado que o possa consumir. Por exemplo, para o desenvolvimento da linha de cerâmica da Caleca Itália, eu estava apontando para um consumidor que queria um objeto mensagem, que valorizasse um conceito e que compartilhasse das mesmas idéias e mesmos ideais meus. Mas para isso, você deve se conformar com a pequena série, com a pequena abrangência de mercado as poucas vendas também.

P4: Em um de seus livros você fala da sobre a “obsolescência programada”, dando como exemplo, justamente, os celulares. Na moda contemporânea, que prevê a sua própria morte para nascer novamente, numa busca freemente pelo novo, como abordar essa questão? Que qualidades uma vestimenta poderia ter que amenizasse esse processo? A criação de um produto que gerasse uma “afetividade” com o usuário? Que lhe trouxesse “valor”, “significado”? E ainda: até que ponto essa política do descartável não está destruindo o mundo?
É verdade, a obsolescência programada é uma realidade no mundo ocidental (principalmente nos Estados Unidos), onde a ordem é consumir. Acontece que a resposta já se vê hoje nos desatres ecológicos, nas mudanças climáticas e no forte impacto ambiental. Diria que o planeta chegou ao limite e isso não é frase de efeito nem profecia, mas a realidade em que deparamos na atualidade. O mundo artificial já supera o natural em poder de destruição e nossa geração tem o dever de rever os conceitos capitalistas e industriais, de redesenhar o próprio destino do mundo.
Com a moda não é diferente e talvez, pela sua característica de constante renovação, isso apareça de modo até mais acentuado ainda. Mas veja bem o fenômeno do vintage, do redesenho e da releitura da moda passada, isto acontece porque foram bons produtos e bons projetos realizados. É comum a reedição de óculos, sapatos e acessórios dos anos trinta, cinqüenta, sessenta etc... muitos deles caíram no esquecimento mas os que souberam decodificar a sua época, expressar uma cultura e um comportamento reaparecem em nova edição. Tudo isso acontece porque estes objetos tiveram um forte conceito, romperam paradigmas estabelecidos, “escreveram” sua história e sua época. São produtos de décadas e/ou épocas passadas que sobrevivem porque representam uma história, traz seu significado e significância, demonstram um estilo de vida de uma geração e isto tudo é valor e cultura.

P5: Em uma palestra na faculdade, a designer Baba Vacaro afirmou que a poltrona mole de Sérgio Rodrigues representava não apenas a cara e alma brasileira, mas também o próprio designer. Quando criamos, deixamos mesmo nossas marcas, nossa cara no produto? Ou o designer deve criar um produto mais “impessoal”?
O homem, querendo ou não, é fruto de sua ambiência, da cultura que o rodeia, das histórias que escuta, do território que o determina e até do alimento que consome. Inconsciente ou não, tudo isso reflete na nossa produção artística e cultural, na produção do artesanato isso aparece mais claro, pois esteticamente muitas vezes se confunde criatura e criador, um como sendo a extensão do outro. Na cultura material, fruto da cultura industrial isso aparece de maneira mais sutil e decodificada, mas também acontece.
O problema de hoje é que as nossas referências não são somente regionais ou locais, com os meios de comunicações existentes (internet por exemplo) foram aumentando o raio de abrangência de nossas referências. Recebemos diariamente novas “contaminações” éticas e estéticas. O desafio, portanto, hoje, é conseguir a conexão entre o local e global, entre o tradicional e o contemporâneo e é por isso que falo que praticar design hoje é mais complexo que no passado.

P6: Seguindo o raciocínio da pergunta anterior, até que ponto o design não seria uma forma de o designer se expressar, respeitando, é claro, os desejos e as necessidades de seu público? O design pode ser visto como uma forma de expressão, como forma de escrever, reescrever histórias, como uma maneira de comunicar e até mesmo de criticar?
O design pode se manifestar de diversas formas que vão além do artefato industrial. Nele podem estar contidas mensagens que determinam um tempo, um movimento, uma contestação e às vezes se torna o retrato de uma época.
O design não existe isolado sem um contexto que o legitime, sem uma cultura que o determine e sem uma estética que o traduza. Por isso, muitas vezes o produto se apresenta não somente como reflexo de uma cultura coletiva e territorial, mas também como o resultado de um comportamento individual, de crenças e éticas próprias e quando isso acontece surge a quebra de paradigmas, os novos caminhos e as novas estéticas possíveis. Vejo, portanto, como salutar a busca pela particularidade, pela diferenciação e pelo singular.

P7: Que direção os designers de moda podem seguir para retirar o rótulo de “futilidade”, “banalidade” que geralmente é atribuído à moda?
A moda deve ser vista como uma expressão cultural de um povo e de um território, como a tradução de uma ética que precede uma estética. Tendo estes aspectos como modelo projetual, a moda nunca será fútil e banal, mas sim a interpretação de um tempo, de um estilo de vida e de comportamento social. A moda também pode ser vista como protesto, esperança e até mesmo uma mensagem política. Depende da mensagem que se passa através dela.
Veja bem, existe uma estética eclesiástica que representa os dogmas da igreja com seus ritos e mitos que aparecem bem definidos nas indumentárias dos religiosos católicos, diferenciando padres, bispos, cardeais e o papa. De igual forma existe uma estética militar que traduz a ordem e o rigor quando não as hierarquias militares, mas também existe a estética punk com seus protestos e particularidades traduzidas em estética própria urbana. Tudo isso passa pela moda sem ser fútil e banal, pois existe um forte conceito e crença que as sustente como estética.

P8: O que a cultura brasileira tem a oferecer ao design brasileiro (e vice-versa) e quais as estratégias para que o nosso design se insira no mercado?
O design brasileiro passou quase quatro décadas de costas para a cultura local, para a nossa rica ambiência e tradição popular. Os designers brasileiros, como em outros segmentos profissionais, tinham baixa estima de ser parte de um povo mestiço, multi-étnico e multi-cultural. Foi um período de excessiva referência à estética produzida nos países industrializados e de primeiro mundo mas, como a estética segue uma ética e um comportamento acabávamos por imitar também um jeito de ser e um estilo de vida que não era o nosso.
Hoje o design brasileiro começa a se tornar mais expressivo, se renova como conceito e estética, repensa o seu destino e toma o seu próprio caminho. Isto acontece porque o design brasileiro começa a decodificar e a inserir, sem mais baixa estima, a riqueza e a exuberância da nossa multiculturalidade. Este processo foi lento, assim como foi lenta a inserção no design na indústria brasileira, hoje mesmo tive conhecimento pelos jornais que as “havaianas” estão lançando uma linha de bolsas. Isto é interessante ao mesmo tempo em que é preocupante, pois as empresas brasileiras levam muitos anos para entender que devem diversificar seus produtos, promover novas experiências de consumo, explorar novos filões de mercado. As havaianas deveriam ter uma linha de bolsas, acessórios e outras sandálias a varias décadas atrás.
O Brasil apresenta um potencial infinito de referências estéticas, de promover novos signos e ícones para a produção industrial e ainda explorar a riqueza da nossa cultura híbrida e mestiça ao promover novos saberes e sabores ao mercado globalizado.

P9: O que você pensa acerca da parceria entre designers e artesãos? A troca fortalece a ambos?
A princípio são duas forças distintas, que podem sim interagir entre si. O artesanato pode ser explorado na sua manifestação mais original que é deixar a marca da mão do artesão no produto. Isto é o que determina a imperfeição e a falta de padronização desejável no artesanato, são valores inerentes às produções artesanais fruto de uma cultura popular espontânea.
A produção industrial tem outra lógica, outro ritmo e outra escala de produção. A máquina busca eliminar as imperfeições e a mão do homem se manifesta através do design, de seus conceitos e de suas modalidades de uso ali previamente estabelecidos pelo projeto.
Quando o designer faz a interface com o artesanato, ele deve, a meu ver, ser capaz de abstrair da lógica produtiva e industrial e se aproximar da lógica artesanal. Muitos conseguem fazer isso com mais precisão e arte, outros deixam transparecer a lógica e o ritmo da indústria na produção artesanal. Tudo depende da cultura de cada designer, de sua consciência política e social, somente assim ele poderá proporcionar uma contribuição relevante ao artesanato mesmo tendo como base uma formação capitalista que apontava para a grande produção e para o consumo de massa. Até agora, no que pude perceber, a troca fortaleceu mais aos designers (como aprendizagem) que aos artesãos.

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